Mântua (Mantova): Desconhecido tesouro entre águas

A vida de um viajante costuma ser medida em quilómetros. A nossa, em experiências. Em ambos os casos, a viagem mais distante que jamais poderíamos empreender é a do conhecimento. Rumo ao descobrimento da origem dos nossos hábitos, tradições e cultura. Portanto, conhecer a proveniência dos ingredientes que consumimos diariamente, ou daqueles que ansiamos degustar, permitem dar a volta ao mundo, em apenas um minuto. Sessenta segundos, de facto, são suficientes para estabelecer se vamos adorar ou, pelo contrário, detestaremos certos pratos. O nosso paladar determina as nossas emoções. Com certeza a cidade de Mântua vai deixar-nos recordações inesquecíveis? Vamos verificar!

Localizada na parte sudeste da região da Lombardia, quase fronteira com a Emília-Romanha e o Véneto, Mântua é uma das joias mais bonitas da época do renascimento italiano. A cidade, De facto, estende-se como uma península que sobressai sobre a superfície de três lagos artificiais, definidos superior, inferior e lago intermédio, que foram construídos para a defesa e proteção da zona.

Esta bela peculiaridade converte Mântua num lugar realmente espetacular, como se a cidade surgisse das águas e devolvesse o fascínio mais conhecido de outra beleza italiana, Veneza. Embora menos glamorosa que esta última e, por isto, menos popular, a beleza de Mântua não dececiona. Ocorre exatamente o contrário. Este lugar surpreende ao visitante de mil formas diferentes, começando pelas curiosas anedotas do seu passado.

Já em outras ocasiões tivemos a oportunidade de observar a íntima, e especial ligação que os italianos têm com a música lírica e sinfónica. Esta estreita relação, novamente, é confirmada graças ao trabalho do compositor veneziano, Antonio Vivaldi, que encontrou na graça e nas sugestões de Mântua, a inspiração para compor a sua conhecida obra musical, As quatro estações.

Fundada, possivelmente, no século V a. C., Mântua conserva até hoje vestígios da civilização etrusca. No entanto, a época do seu máximo esplendor foi sob o domínio da poderosa família dos Gonzaga, que converteram este centro num dos mais destacados do renascimento italiano. A profunda paixão pelas belas artes, de facto, impulsionou os Gonzaga a juntar sob as suas ordens os artistas mais admirados da época. Assim foi como importantes ícones da pintura italiana, como Andrea Mantegna e Giulio Romano, partilharam uma época de intensa atividade nesta prestigiosa localidade.

Como prova da presença destes virtuosos talentos, Mântua conta com inúmeros edifícios e refinada beleza. Além disso, pode gabar-se de dispor de belos cenários que quase nos permitem voar rumo a outras épocas.

Neste sentido, é difícil resistir à sensação de não fazer parte do cenário de um quadro. Uma bela pintura na qual o visitante deixa de ser espetador, para se converter em parte desta paisagem tão sugestiva.

Assim, entre os primeiros lugares para se perder, encontramos o Palazzo Ducale, situado na zona norte da cidade, este espetacular edifício conta com 500 salas, galerias, pátios e jardins que se estendem ao longo de 35 mil metros quadrados. Isto faz com que praticamente se converta numa cidade-palácio na qual não devemos deixar de ver os quadros do famoso pintor Pisanello.

Da mesma forma, o Duomo, conhecido também como Catedral de São Pedro, oferece um espetacular conjunto de diferentes estilos arquitetónicos: o campanário românico, a fachada neoclássica e as colunas internas de ordem coríntia. Também é muito importante a basílica de Santo André, na qual é possível admirar o legado deixado durante a sua etapa em Mântua de Andrea Mantegna e Correggio.

Imprescindível também é o denominado Palácio do Chá. Uma impressionante edificação, autêntica obra-prima do pintor e escritor Giulio Romano, que a concebeu como lugar de lazer e atos oficiais do príncipe Frederico II Gonzaga. Portanto, parece até supérfluo comentar que Mântua, juntamente com a localidade de Sabbioneta, em julho de 2008 foi declarada como lugar protegido pela UNESCO.

As maravilhas desta cidade, que podemos imaginar com facilidade, não se limitam apenas aos tesouros arquitetónicos e paisagísticos.

Pancetta, coppa, lardo, salame são apenas alguns dos cortes de enchidos disponíveis na zona, tornando-se populares pelas receitas que os acompanham.

Um grande sucesso nas mesas das casas de Mântua são os populares gnocchi de pão, chamados capunsei. São deliciosos bolinhos de pão, fritos em banha de porco e servidos com caldo ou enriquecidos com manteiga derretida e molho de tomate. Entre os primeiros é simplesmente impossível resistir à tentação de espetar o garfo num prato de agnolini. Esta massa recheada ao ovo, esticada pacientemente à mão, é preparada com carne de vitela, frango, pão ralado e uma generosa porção de queijo Grana Padano, sendo finalmente polvilhada com noz-moscada. Outro prato muito conhecido são os tortelli di zucca. Autêntico vício gastronómico, nesta sugestiva versão de Mântua, onde a abóbora é preparada no forno e acompanhada de um toque de mostarda e pedacinhos de amaretti, que são umas bolachas deliciosas à base de massa de amêndoa. Altamente adictivo! No entanto, devemos fazer referência a uma versão um pouco diferente, mas divertida, em forma de coração e recheada com queijo ricotta, que é a que propomos na cozinha de La Tagliatella. Os nossos são os cuore di zucca, buonissimi!

Da mesma forma, os amantes das sobremesas encontrarão na tarte sbrisolona o final perfeito para terminar a sua refeição. Esta é uma receita típica, de origem camponesa, que antigamente era preparada com misturas de farinha de milho, banha de porco e avelãs. Hoje em dia, alguns destes ingredientes foram substituídos por opções mais “refinadas”: agora prefere-se a manteiga em vez da mais calórica banha de porco, enquanto as avelãs, mais económicas, cederam o seu lugar às amêndoas.

Agora que a nossa visita por Mântua chegou ao fim, dispomos de todos os elementos para responder à pergunta que formulamos ao princípio. Portanto, partiremos desta cidade não apenas com recordações inesquecíveis, mas também com vontade de voltar e repetir esta intensa experiência gastrocultural que, por um dia, permitiu que vivêssemos como autênticas personagens do renascimento.

Acabamos de descobrir outro pequeno tesouro italiano, que impressiona e apaixona à primeira vista. Com estas novas imagens, partiremos definitivamente em direção à região da Lombardia, para seguir rumo ao norte. O nosso seguinte destino é o Trentino-Alto Adige, situado na fronteira com a Áustria e a Suíça. Esta região caracteriza-se por ser território de encontro entre o mundo nórdico e as tradições latinas, uma mistura, no mínimo, muito peculiar.